terça-feira, 10 de outubro de 2017

A ESCOLA DE PLATÃO

   
Sítio arqueológico da antiga Academia de Platão - Atenas - Grécia 
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                Por volta do ano 427 a.C, em Atenas, nasceu o grande Platão. Seu verdadeiro nome era Arístocles. Filho de ilustre família, que descendia de Sólon. Formou-se num ambiente aristocrático; passou a se chamar Platão pela amplitude de suas espáduas. Como todos os atenienses aristocráticos e ricos da época teve uma instrução profunda e variada. Por volta dos vinte anos de idade conheceu Sócrates. Depois de ouvi-lo destruiu todas as suas tragedias e outras obras literárias para consagrar-se inteiramente à filosofia, deixando definitivamente suas ligações com a vida política.
               Ao ver Sócrates sendo condenado à morte, fez tudo o que podia para salvá-lo; até ofereceu toda a sua fortuna em troca da vida de seu mestre. Durante o julgamento de Sócrates voltou-se completamente em defesa de seu mestre. Empregou todos os meios possíveis para salvá-lo, e, como último recurso, dirigiu-se ao povo. Tinha preparado um discurso para defendê-lo, mas arrancaram-no da tribuna e lhe impuseram silêncio absoluto. 
                 Depois da morte de Sócrates ele dedicou-se a viajar pelo mundo. Visitou o Egito e a Magna Grécia, onde se iniciou na doutrina dos pitagóricos. Na Sicília conheceu Dion, genro do tirano de Siracusa.  Por ter procurado induzir Dionísio (o antigo) a constituir uma república governada por filósofos na própria Siracusa enfureceu o ditador que mandou capturá-lo e ordenou  que fosse vendido em praça pública como escravo. Seus amigos o resgataram e o fizeram voltar a Atenas. 
                     Parcialmente recuperado da morte de Sócrates, Platão abriu uma célebre escola nos jardins da Academus no ano 385 a.C.; esses jardins tinham pertencidos a Academo, um dos heróis gregos, e ficavam perto de Atenas. Foi do nome de seu antigo proprietário que surgiu a palavra Academia. Ali, no meio de oliveiras e de plátanos, reunia Platão os seus alunos, dando as suas lições ao ar livre. Muitos de seus discípulos eram já bastante velhos, mas entre eles havia o jovem Aristóteles, que foi também um dos maiores nomes da filosofia. 
                 A partir desse momento Platão dedicou-se exclusivamente à filosofia, professando e escrevendo até morrer aos 81 anos. Depois de sua morte, durante muitos séculos, a Academia continuou a ser um lugar onde os filósofos partidários da doutrina de Platão faziam suas dissertações. Entre eles sempre estava o seu discípulo preferido, Aristóteles. 
                 Tal como Sócrates, Platão crê que a moral é o fim último de todo o conhecimento; mas não limita o homem ao seu domínio, pelo contrário, ele penetra, por assim dizer, de moral todo o universo. Para ele também, céu e terra são produtos de um pensamento divino. O mundo em que vivemos nada mais é do que um permanente e eterno mundo de ideias. Os homens, animais e plantas não são mais do que reproduções de tipos eternos, que contém as perfeições que se pode encontrar em cada espécie. Em outras palavras, a "ideia" (homem, plantas, animais) é uma perfeição absoluta em si mesmos que não se encontra nas realizações terrestres do homem. Ele já afirmava que Deus é a ideia Suprema, o Bem Supremo. O homem nasce com o dever de tentar assemelhar-se, ao máximo que puder, à Deus (ideia Suprema). Em Deus residem as "ideias" do verdadeiro, do belo, do bem, do grande, do poderoso, etc. O homem deve ter por fim realizar relativamente o que Deus realiza absolutamente. A justiça está no seio de Deus, portanto Ele é justo; o homem não pode ser "o justo", mas pode ser "um justo". Ser um justo, segundo todos os sentidos desta palavra, é o dever maior do homem e o seu próprio destino. Assim ensinou Platão.
                   Platão é o grande mestre da filosofia idealista, isto é, de toda a filosofia que crê que as "ideias" governam o mundo. É um dos espíritos mais assombrosos de todos os tempos e de todos os países. 
Nicéas Romeo Zanchett 



              

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

PROCESSO E JULGAMENTO DE SÓCRATES - Por Platão

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Trata-se de um documento onde Platão descreve o diálogo entre Sócrates e seus discípulos e interrogadores Euthifron e Meleto. Foi traduzido do grego . Embora todo o julgamento tenha sido longo, é muito interessante conhecer o pensamento e atitude serena do grande mestre Sócrates, seus estado de espírito e suas próprias palavras e aqui descrita pelo seu mais importante discípulo.
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                   Sócrates, na véspera do seu julgamento por impiedade, quer mostrar que as noções correntes acerca da piedade ou impiedade, da santidade ou da ausência de santidade, não suportam uma crítica rigorosa. 
             Euthifron - Que estás tu fazendo aqui no pórtico do archonte, Sócrates? Porque deixaste o teu lugar de costume no Liceu? Não tens, com certeza, como eu, uma ação a julgar perante a ele. 
              Sócrates - Não; os atenienses, Euthifron, chamam-lhe uma acusação e não uma ação. 
            Euthifron - O que? Queres dizer que alguém te fez qualquer acusação? Porque não quero crer que sejas tu quem a faz a alguém. 
                 Sócrates - Por certo que não sou eu quem a faz. 
                 Euthifron - Há então alguém que te acuse? 
                 Sócrates - Há. 
                 Euthifron - Quem é? 
                 Sócrates - Mal o conheço, Euthifron; deve ser um rapaz desconhecido. O seu nome, porém, é Meleto, e o seu demos Pitthis; vê lá se te lembras de algum Meleto daqueles demos - um homem de nariz aquilino, cabelos compridos e pouca barba. 
                 Euthifron - Não o conheço, Sócrates. Mas, diz-me, por que razão te acusa ele? 
                 Sócrates - Por que razão? Não é por pouco, parece-me. Não é pouca coisa, para que um rapaz tão novo já tenha formado uma opinião sobre um assunto tão importante. Porque Ele diz que sabe como se corrompe a juventude e quem a corrompe. Deve ser um sábio, que, vendo a minha ignorância, me vai acusar perante a cidade, como uma mãe, de corromper os seus amigos. Parece-me ser o único homem que principia por onde deve em matéria de reformas políticas; quero dizer, cujo primeiro cuidado é tornar a juventude quanto possível perfeita, assim como um bom lavrador cuidará primeiro das suas plantas mais novas, e, começa por correr conosco que, diz ele, corrompemos os jovens à medida que eles crescem, e depois de ter feito isso, daria naturalmente a sua atenção aos homens mais velhos, tornando-se assim um benemérito do público. É o que há e a esperar, visto que deste modo começa. 
                Euthifron - Oxalá assim seja, Sócrates, mas duvido muito. Parece que está tentando fazer-te mal, o que ele está fazendo é atirando um golpe ao coração do Estado. Mas diz-me, de que modo afirma ele que tu corromperás a juventude? 
                Sócrates - De um modo que o princípio parece estranho meu amigo. Diz que eu sou um fazedor de deuses; de modo que me acusa, segundo ele diz, de inventar novos deuses e não acreditar nos antigos. 
                Euthifron - Compreendo, Sócrates. É porque dizer que tens um signo divino. De modo que te acusa por induzires coisas novas na religião; e vai ao tribunal sabendo que esses assuntos facilmente se podem torcer perante a multidão, e portanto tencionando caluniar-te ali. Ora, de mim riem eles como se estivesse doido quando falo de coisas divinas na assembléia e lhes vaticino o que vai acontecer; e contudo, nunca vaticínio mau saiu errado. Mas invejam os que são como nós. Convém que não lhes liguemos importância; devemos fazer-lhes frente sem temor. 
                 Sócrates - Meu caro Euthifron, o escárnio deles não é coisa muito séria. Os atenienses, parece-me, podem ter um homem por inteligente sem lhe ligar muito atenção, logo que não julguem que ele comunica a sua sabedoria aos outros. Mas logo que lhes parece que ele torna inteligentes a outros, zangam-se, quer seja por inveja, como tu dizes, quer por qualquer outra razão. 
             Euthifron - Não tenho grande empenho em conhecer a disposição deles para comigo neste assunto. 
                Sócrates - Não, talvez pensem que tu, como te mostras muito pouco, não tens grande empenho em comunicar o que sabes aos outros; mas receio que de mim pensem o contrário; pois o meu amor à humanidade  faz-me falar a todos que encontro, livremente e sem reservas, e sem remuneração; de fato, se eu pudesse, de boa vontade pagaria para me escutarem. Se pois, como acabo de dizer, eles se dispuseram apenas a rir de mim como dizes que de ti riem, eu não acharia desagradável passar o dia desse modo, rindo e chalaceando no tribunal. Mas se vão encarar o caso a sério, então só profetas como tu podem dizer com isto acabará. 
                Euthifron - Bem, Sócrates, o mais natural é que nada aconteça. É muito provável que sejas bem sucedido no teu julgamento, como creio que serei no meu. 
                 Sócrates - E que ação é essa tua, Euthifron? És queixoso ou réu? 
                 Euthifron - Queixoso.
                 Sócrates - Contra quem? 
                 Euthifron - Contra um homem que me julgam doido por levar ao tribunal.
                 Sócrates - O que? tem asas para voar? 
                 Euthifron - Está muito longe de poder voar; é um homem muito velho. 
                 Sócrates - Quem é ele? 
                 Euthifron - Meu pai. 
                 (Então, tendo Euthifron declarado que acusava o pai de ter morto um escravo, Sócrates pede-lhe para definir a piedade. Euthifron embrulha-se, e Sócrates faz-lhe notar que não lhe respondeu a pergunta. Não lhe pedira um exemplo particular de santidade. O que quer saber é o que faz santas todas as ações santas. Euthifron por fim define a santidade como sendo "aquilo que agrada aos deuses". Mas Sócrates, por uma série de perguntas em aparências inocentes, obriga Euthifron a admitir o absurdo da sua definição. Duas outras definições que Euthifron dá não tem melhor sorte, e ele passa dum estado de superioridade complacente a um de absoluta confusão e de amor próprio ofendido). 
             Sócrates - Temos então que começar, e analisar o que seja santidade. Não tenciono desistir antes de saber. Não me julgues indigno; dá toda a atenção ao assunto e desta vez diz-me a verdade. Porque se alguém a sabe, és tu; e tu és um Proteu que não devo largar antes que me tenhas dito. É impossível que pensasses em acusar o teu velho pai pelo assassinato de um trabalhador se não soubesses exatamente o que é a santidade e a ausência dela. Teria receado arriscar-te à cólera dos deuses, no caso de ser a tua má ação, e terias receado a opinião dos homens. Mas agora tenho por certo que sabes exatamente o que é santo e o que não é; por isso diz-mo, meu excelente Euthifron, e não me ocultes o que julgas que o é.
                   Euthifron - Outra vez será, Sócrates; agora tenho pressa e são horas de ir andando. 
            Sócrates - O que fazes, meu amigo? Vais-te embora e destróis todas as minhas esperanças de aprender de ti o que é santo e o que não é, assim escapar a Meleto? Queria explicar-lhe que agora que Euthifron me fez saber das coisas divinas, nunca mais, na minha ignorância, falarei delas precipitadamente, nem nelas farei inovações; e deis iria prometer-lhe viver uma vida melhor no futuro. 

DEFESA DE SÓCRATES PERANTE OS ATENIENSES

                 Sócrates - Não sei qual a impressão, atenienses, que os meus acusadores vos causaram; quanto a mim, sei que quase me fizeram esquecer quem sou, tão plausíveis foras as suas razões; e contudo, quase que não disseram uma palavra que fosse verdade. Mas de todas as mentiras que disseram, a que mais me assombrou foi a de vos dizerem que sou um belo orador e que vos deveis acautelar para que não vos induza em erro. Achei que era grande a audácia da parte deles em falar assim sem se envergonharem; porque desde que eu abrisse a boca ficará reputada aquela mentira, e provaria que de modo algum posso ser considerado um belo orador; a não ser, é certo, que por belo orador entendem um homem que diz a verdade. Se é isso que querem dizer, concordo que sou muito melhor orador do que eles. Os meus acusadores, repito, pouco ou nada disseram de verdade; mas sim de mim ouvireis a verdade completa. Não escutareis decerto, atenienses, um discurso brilhante, engalanado, como o deles, com palavras e frases. Dir-vos-ei o que tenho a dizer, sem preparação, e nas palavras que primeiro me ocorrerem, porque creio que a minha causa é justo; de modo que nenhum de vós deve esperar outra coisa. Na verdade, meus amigos, mal me ficaria, na minha idade, vir ante vós como um jovem com as suas mentiras especiosas. Mas há uma coisa, atenienses, que com instância e sinceridade vos peço. Não vos admireis nem me interrompais se na minha defesa eu falar da mesma maneira em que costumo falar no mercado, às mesas dos cambistas, onde muitos vão de vós me tem escutado, e noutros pontos. A verdade é esta. Tenho mais de setenta anos e esta é a primeira vez que compareço ante um tribunal; de modo que o vosso modo de falar me é inteiramente estranho. Se eu fora realmente estrangeiro perdoar-me-ias por falar na língua e segundo o costume da minha pátria; e agora peço-vos que me concedais aquilo a que creio ter direito. Não vos importe o estilo do meu discurso - será bom ou mau -, mas dai toda a vossa atenção à questão. O que eu digo é justo ou não é? Isso é que se faz um bom juiz, como falar a verdade faz um bom advogado. 
              Tenho a defender-me, atenienses, primeiro das intrigas, falsas queixas dos meus antigos acusadores, e depois das queixas mais recentes dos meus acusadores atuais. Porque muitos homens há que muito tempo me tem tornado conhecido de vós, e que não tem dito uma palavra de verdade; e temo-os mais do que temo Anito e os seus companheiros, por formidáveis que sejam. Porque, meus amigos, os outros são ainda mais formidáveis; porque desde criança que muitos de vós são influenciados por eles, que tem sido mais persistentes que os outros em tentar persuadir-vos que há um Sócrates, homem sábio, que raciocina acerca dos céus e analisa o que possa haver debaixo da terra, e que pode "fazer o pior parecer melhor".
             Os homens que espalham esse boato, atenienses, são acusadores que temo; porque os seus ouvintes julgam que os indivíduos que se ocupam dessas coisas nunca acreditam nos deuses. Eles são muitos e h´muito tempo que me atacam ; e a vós falaram disto quando ereis da idade em que sem hesitação dáveis crédito ao que diziam; porque ereis todos novos e muitos de vós crianças; e não havia quem lhes respondesse quando me atacavam. E o que nisto tudo é mais estranho é que nem mesmo sei bem os seus nomes; não vos posso dizer quem são, exceto no caso dos poetas cômicos. Mas todos os outros que tem tentado malquistar-vos, por motivos de inveja e despeito, e às vezes, talvez, por convicção, são os inimigos a quem é mais difícil combater. Porque não posso chamar qualquer deles aqui ao tribunal para o interrogar; tenho, por assim dizer, que lutar com sombras em defesa própria, e fazer perguntas a que não há ninguém para responder. Peço-vos, portanto, que acredites que, como digo, tenho sido atacado por duas classes de acusadores, primeiro por Meleto e os seus amigos, e depois por esses mais antigos de que vos falei. E se me dais licença defender-me-ei primeiro  das queixas dos meus velhos inimigos; porque foram as acusações deles que primeiro ouvistes, e foram muito mais persistentes do que são os meus acusadores atuais. 
             Tenho que me defender, atenienses, e de, no pouco tempo que me é dado, tentar remover o preconceito que contra mim de ha muito tendes. 
             Recomecemos pois, e vejamos qual a acusação que deu origem ao preconceito que há contra mim, e que foi aquela de que se valeu Meleto ao formular a sua queixa. Qual é a calúnia que a meu respeito os meus inimigos tem espalhado? Suporei que me estão acusando formalmente e lendo a sua queixa. Ressoaria pouco mais ou menos assim: "Sócrates é um criminoso que se ocupa de investigar o que se passa debaixo da terra, e no céu, e que faz o pior parecer melhor, e que ensina aos outros estas coisas."
              É isto o dizem, e na Comédia de Aristófanes vós próprios vistes um homem chamado Sócrates andando à roda dentro de um cesto pendurado, e dizendo que anda no ar, assim como muitos dispares acerca de assuntos de que não percebo nem pouco nem muito, mas nada. De modo algum quero depreciar essa ciência se há alguém que a possui. espero que Meleto nunca me poderia acusar por causa disso. Mas a verdade é, atenienses, que não tenho nada que ver com esses assuntos, e vós sois quase todos testemunhos disso. Peço a todos vós que me tem ouvido falar, e são muitos, que informem os outros e lhes digam se alguma vez me ouviram conversar muito ou pouco, a respeito desses assuntos. Isso mostra-vos que as coisas que vulgarmente de mim contam são falsas como esta. 
(Acusam-no de ser ao mesmo tempo um sofista mau que exige dinheiro por ensinar, e um filósofo natural. Faz a distinção entre estas duas coisas e mostra que não é nenhuma delas. Não é popular porque se impôs o dever de examinar os homens, em vista de uma certa resposta data pelo oráculo de Delfos, "que ele era o mais sábio dos homens". Descreve como examinou os homens para avaliar da verdade do oráculo. Isto trouxe-lhe muitos ódios; os homens não gostam que lhes provem que são ignorantes quando julgam sábios, de modo que lhe chamam um sofista e muitas outras coisas más, porque desfaz a sua pretensão à sabedoria). 

              O que tenho dito deve bastar para me defender contra as acusações dos meus primeiros inimigos. Tentarei agora defender-me contra Meleto, aquele "bom patriota", como ele próprio se designa, e os meus acusadores mais recentes. Suponhamos que são uma nova classe de queixosos, e leiamos a sua queixa como no caso dos outros fizemos. Reza assim: diz ele que Sócrates é um criminoso que corrompe a juventude e que não acredita nos deuses da religião da cidade, mas em outras divindades. A acusação é esta. 
        Examinemos separadamente cada detalhe dela. Meleto diz que faço uma má ação corrompendo a juventude; mas afirmo, atenienses, que a má ação é a dele; porque está fazendo uma partida solene, arrastando homens aos tribunais, de ânimo leve, e alegando ter grande zelo e interesse em assuntos a que nunca deu um momento de atenção. E agora tentarei provar-vos que assim é. 
              Anda cá Meleto.   Não é de fato que julgas muito importante que os jovens sejam quanto possível excelentes? 
                   Meleto - É. 
             Sócrates - Diz então aos juízes quem é que os aperfeiçoa. Interessas-te tanto pelo assunto que não podes deixar de saber. Acusas-me e traz-me ao tribunal porque, como dizes, descobriste que sou quem corrompe a juventude. Ora, agora dize aos juízes quem a aperfeiçoa. Bem vez, Meleto, que nada tens a dizer; calas-te. Mas não achas isso uma coisa escandalosa? Não prova o teu silêncio concludentemente que tenho razão, e que nunca deste ao assunto um momento de atenção? Vamos dizer-nos quem torna os mancebos melhores cidadãos?
                 Meleto - As leis. 
         Sócrates - Meu caro senhor, não perguntei isso. Qual o homem que aperfeiçoa a juventude, que aliás já tem conhecimento das leis? 
                 Meleto - Os juízes aqui, Sócrates.
                Sócrates - Que queres tu dizer, Meleto? Podem eles educar os jovens e aperfeiçoá-los? 
                Meleto - Por certo que podem 
                Sócrates - Todos eles? ou só alguns? 
                Meleto - Todos eles. 
                Sócrates - Por Juno, a notícia é boa! Há uma grande abundância de benfeitores! E os ouvintes aqui, aperfeiçoam-nos ou não? 
                 Meleto - Aperfeiçoam. 
                 Sócrates - E os senadores? 
                 Meleto - Também.
                Sócrates - Então Meleto, são os membros da assembleia que corrompe a juventude? ou também aperfeiçoam? 
                 Meleto - Também a aperfeiçoam. 
                 Sócrates - Então todos os atenienses, a não ser eu, fazem dos jovens bons cidadãos, ao que parece; e só eu os corrompo. É isso que queres dizer? 
                 Meleto - Por certo; é isso que quero dizer. 
                 Sócrates - Descobriste que sou um homem desgraçadíssimo. Ora, dize-me: Julgas, por exemplo, que o mesmo acontece com cavalos? Haveria um só homem que lhes fizesse mal, enquanto todos os outros os aperfeiçoam? Não é certo, ao ao contrário, que é um só homem, ou muito poucos - a saber, os que entendem de cavalos que os podem aperfeiçoar; ao passo que a maioria dos homens lhes faz mal, se os usa, e se lida com eles? Não acontece o mesmo, Meleto, tanto com o cavalo como com qualquer outro animal? Claro que acontece, que tu e Anito digam que sim ou que não. E os jovens serial de certo gente muito feliz se só um homem os corrompesse e todos os outros lhes fizessem bem. A verdade é, Meleto, que acabas de provar completamente que nunca em tua vida pensaste na juventude.  É claro, que visto o que tu próprio acabas de dizer, que não te interessas absolutamente nada pelos assuntos porque me acusas
(Prova ser absurdo dizer-se que ele corrompe a juventude propositadamente, e se é sem o querer fazer que a corrompe, a lei não autoriza Meleto a acusá-lo por culpa involuntária Com respeito à acusação de ensinar aos jovens e não crer nos deuses da cidade, submete Meleto a um interrogatório e fá-lo contradizer-se várias vezes).
            Mas na verdade, atenienses, não creio ser preciso dizer muito para  provar que não cometi o crime de que Meleto me acusa. O que eu disse já basta para provar. Mas repito, é absolutamente certo, como já vos disse, que tenho tornado pouco popular e feito muito inimigos. E é isso que causaria a minha condenação, se me condenassem, não Meleto nem Anito, mas o preconceito e a má vontade da multidão. Ela tem destruído muito boa gente antes de mim, e depois de mim muita destruirá ainda. Não haja medo de que eu seja a última vítima.
               Haverá talvez que dissesse: "não te envergonhas, Sócrates, de te entregares a assuntos que agora provavelmente causarão a tua morte? E eu com justiça lhes responderia:"meu amigo, se julgas que um homem de algum valor deve calcular, antes de agir, as probabilidades da vida e da morte, ou que deve pensar em qualquer coisa que não seja se está agindo mal, ou como agiria um homem bom ou mau, erras completamente". Na tua opinião, os semideuses que morreram em Troia deviam ser homens de fraco valor, e entre eles o filho de Thetis, que não pensou no perigo quando a alternativa era a infâmia. Porque, quando sua mãe, uma deusa, se lhe dirigiu, quando ele ardia por matar  Heitor, suponhamos desse modo: "Meu filho, se vingares matando Heitor, a morte do teu companheiro Patrocio, morrerás também porque o destino espera-te logo depois da morte de Hewitor", ouviu o que ela disse, mas desdenhou o perigo e a morte; mas receava viver como um covarde não vingando o seu amigo. "Deixai que eu castigue o malfeitor e morra logo depois" disse ele, "para que não permaneça aqui, ao pé dos navios, desdenhando dos homens e demais sobre a terra". Julgais acaso que ele pensou no perigo ou na morte? Porque isto, atenienses, creio ser verdade; onde quer de seja o posto dum homem, quer livremente o tenha escolhido, quer ali tenha sido colocado pelo seu comandante, é seu dever ficar ali e fazer face ao perigo sem pensar na morte, ou em qualquer outra coisa que não seja a infâmia. 
               Quando os generais que escolhestes para me comandar me colocaram, atenienses, no meu posto em Potídea (colina grega) e em Antípolis e em Délio, fiquei onde me colocaram, e corri o risco de morte como os outros homens; e seria agora bem estranho da minha parte se deserdasse do meu posto por medo da morte ou de qualquer outra coisa, quando Deus me mandou, como estou convencido que fiz, levar a minha vida a procurar a ciência e a examinar-me a mim e aos outros. Seria na verdade estranho; e então com justiça me poderiam acusar de não acreditar nos deuses; porque teria desobedecido ao oráculo, temido a morte, e julgado ser sábio quando não o era. Porque temer a morte, meus amigos, é simplesmente julgarmos-nos sábios sem o ser, poque é julgar que sabemos o que não sabemos. Ao que sabemos, a morte pode ser o maior bem que nos possa acontecer, mas tememos-la como se soubéssemos perfeitamente que é maior dos males. E o que é isto senão aquela vergonhosa ignorância que consiste em julgar que soubéssemos o que não sabemos? Nesse assunto também, meus amigos, talvez eu seja diferente da maioria da humanidade; e se eu chegasse a pretender que sou mais sábio do que os outros, seria por não julgar ter conhecimento exato do outro mundo, quando, com efeito, não o tenho. Mas sei perfeitamente que é mau e baixo praticar o mal e desobedecer a um superior, seja ele um homem ou um deus. E nunca praticarei o que julgar ser mal, nem temerei o que, ao que sei, pode realmente ser um bem. De modo que, mesmo que me absolvêsseis, não escutando o argumento de Anito de que se eu fora absolvido nem deveria então ter sido julgado, e que, sendo o caso como é, tendes obrigação de me condenar à morte porque, como ele diz, se eu escapar todos os vossos filhos ficarão de todo corruptos por fazer o que lhes ensina Sócrates; se pois me dissésseis, "Sócrates, desta vez não atenderemos ao Anito; te deixaremos ir em liberdade; mas com a condição de que abandonarás as tuas investigações e a tua filosofia; se continuares a seguir esses estudos, morrerás"; se me oferecêsseis, repito, absolver-me com essa condição, responde-vos-ia: "Atenienses, tenho-vos o maior afeto e consideração; mas antes obedecerei a Deus do que vós; enquanto tiver vida e saúde não abandonarei a filosofia, nem deixarei de vos aconselhar e de declarar a verdade a todos vós que encontrar, dizendo, como é meu costume: - "Meu caro amigo, és um cidadão de Atenas, grande cidade e famosa pela sua ciência e inteligência; não te envergonhas de dar tanta atenção ao dinheiro, à reputação, e à honra? Por que não cuidas ou pensas na ciência, na verdade e na perfeição da tua alma?"
                  E se ele contestar estas palavras que realmente se importa com estas coisas, não o abandonarei imediatamente afastando-me; pararei, e submetê-lo-ei a um interrogatório; e se julgar que não tem virtude, com quanto diga que tem, repreendê-lo-ei por dar o menor valor às coisas mais importantes e o maior às coisas que são de menos monta. Isto farei a todos a quem encontrar, novos ou velhos, cidadãos ou estranhos; mas especialmente aos cidadãos, porque há entre mim e eles mais parecença. Porque, bom é que saibas, Deus mandou-me fazer isto. Porque gasto a minha vida andando dum lado para o outro, persuadindo-vos a todos a dar o vosso primeiro e principal cuidado à perfeição das vossas almas, e a não pensar, antes de o terdes feito, nos vossos corpos ou no vosso dinheiro; e dizendo-vos que não é a virtude que vem da riqueza, mas sim a riqueza, e tudo o mais quanto de bom os homens tem, quer pública. quer particularmente, que vem da virtude. Se eu portanto corrompo a juventude ensinando-lhe isto, o mal que faço é grande; mas se há alguém que diga que ensino qualquer outra coisa, falseia a verdade. E portanto, atenienses, atendei a Anito ou não o atendeis; absolvei-meou não me absolvais; tende porém a certeza que não alterarei o meu modo de vida; não, nem que por isso tenha de morrer muitas vezes. 
(Se os atenienses o condenaram à morte, farão mais mal a si mesmos do que a ele. A cidade é como um grande e belo cavalo tomado indolente pelo seu tamanho e precisando ser espicaçado. Ele foi a mosca mandada por Deus para o atacar. Explica porque não tem tomado parte na vida pública. Se o tivesse feito teria parecido sem vantagem para a cidade, porque ninguém o podia obrigar a praticar o mal por meio da morte. A sua conduta em duas ocasiões prova isto). 
                 Bem, meus amigos, é isto o que, com talvez outras coisas parecidas, eu tenho a alegar em minha defesa. Haverá entre vós alguém que se recorde de como, mesmo num julgamento menos importante do que este, pediu e implorou aos juízes com muitas lágrimas para o absolverem, e como trouxe os filhos e muitos amigos e parentes para o tribunal, para sensibilizar; e agora vede que nada disto faço, conquanto esteja o que julgam ser o maior dos perigos. Talvez isso lhe dê uma opinião desfavorável a meu respeito; pode ser que se encolerize e dê nesse estado o seu voto. Se isso acontecesse a qualquer de vós - não suponho que aconteça, mas se assim fosse - parece-me que responderia razoavelmente, dizendo: "Meu amigo, tenho parentes também porque, como diz Homero, "não nasci de paus ou de pedras, mas de uma mulher"; de modo que, atenienses, tenho parentes, e tenho três filhos, um deles já rapaz, e os outros dois ainda crianças. E contudo não trarei nenhum deles perante vós, que que me absolveis.  E porque não faço nada disto? Não é por arrogância, atenienses, nem porque vos tenha em pouca conta; se saberei ou não encarar a morte com coragem é outro assunto; mas para meu crédito, para o vosso crédito e para o crédito da nossa cidade, não acho bem na minha idade e com o meu nome, fazer qualquer coisa desse gênero. Com razão ou sem ela está muita gente persuadida de que de qualquer maneira difere Sócrates do resto da humanidade. E será uma coisa vergonhosa se aquele de vós de quem se pensa que se distinguem pela sabedoria ou pela coragem ou por qualquer outra virtude, procederem desse modo. Muitas vezes tenho visto homens com boa reputação proceder de modo estranho no seu julgamento, como se julgassem uma sina terrível o serem mortos, é como se esperassem viver eternamente sé vós não os condeneis à morte. Estes homens parecem-me redundar em descrédito da cidade; pois qualquer estrangeiro poderia supor que os atenienses melhores e mais eminentes, que são escolhidos pelos seus cidadãos para exercerem cargos públicos e para outras honras, não passam de mulheres. Aqueles de vós atenienses, que tem alguma reputação, não devem fazer coisas; e não deveis deixar que as façamos; deveis mostrar que sereis muito mais impiedosos para aqueles que tornam a cidade ridícula por estas cenas desgraçadas, doque para os que se conservam sossegados. 
                 Mas à parte a questão dos créditos, meus amigos, não me parece bem que se peça ao juiz para nos absolver, e desse modo se escape à condenação. É nosso dever convencer-lhe o espírito por meio de raciocínios. Ele não etá ali para oferecer justiça aos amigos, mas para pronunciar o julgamento; e jurou não favorecer alguém a quem deseje favorecer, mas decidir tudo de acordo com a lei. E portanto, não devemos ensiná-los a perjurar; e não deveis permitir que lho ensinem, porque então nem eles nem nós agiríamos bem. Portanto, atenienses, não espereis de mim que faça estas coisas, porque creio que não são nem boas,nem justas, nem santas; e muito especialmente não espereis que as faça hoje, quando Meleto me acusa de blasfêmia. Porque se eu vencesse e conseguisse pelos meus pedidos que quebrásseis o vosso juramento, claramente vos estaria ensinando que não há deuses ; estaria simplesmente, pela minha defesa, acusando-me de não acreditar neles. Mas, atenienses, isso está longe de ser a verdade. Creio nos deuses, e como não crê nenhum dos meus acusadores; e a vós e a Deus entrego a minha causa para que seja decidida como melhor for para vós e para mim. 
(Dão o crime como provado por 281 votos conta 220).

           Por muitas razões me não apoquenta a decisão que acabastes de dar, atenienses. Esperava que decidísseis contra mim; e o que mais de admira não é isso, mas a votação. Deveras não esperava que a maioria contra mim fosse tão reduzida. Mas agora vejo que se apenas 30 votos tivessem passado de um lado para o outro, eu teria escapado. 
(Meleto propõe a pena de morte. A lei permite a um criminoso propor uma alternativa. Como é um bem-feitor, Sócrates pensa que deveria ser mantido pelo Estado no Pritaneu como um vencedor olímpico. Falando a sério, porque proporia ele uma pena? Tem a certeza de que não fez mal nenhum. Não sabe se a morte é um bem ou um mal. Porque proporia então uma coisa que sabe que é um mal? É certo que o pagamento de uma multa não seria um mal, mas o que também certo é que  não tem com que pagar; talvez possa reunir uma mina (alguns trocados) é o que propõe. Ou. se os seus amigos quiserem , oferece trinta minas, ficando os seus amigos por fiadores). 
(É condenado à morte)

                  Não ganhastes muito tempo, atenienses, e como prêmio disto tereis um mau nome de todos quantos queiram dizer mal da cidade, porque atirar-vos-ão à cara que condenastes Sócrates, um sábio, à morte. Porque com certeza me chamarão sábio, quer e ou o seja ou não, quando vos quiserem acusar. Se tivésseis esperado um pouco, a natureza ter-vos-ia feito a vontade; porque vedes que sou um velho,bastante velho mesmo e perto da morte. Não estou falando a todos vós, mas só àqueles que votaram pela minha morte. E agora é a eles que me continuo a dirigir. Talvez, meus amigos, julgueis que fui derrotado por falta de argumentos com que vos poderia persuadir a absolver-me, dado que julgasse próprio fazer ou dizer qualquer coisa para escapar ao castigo. Não é assim, fui derrotado porque falho, não de argumentos, mas de audácia e arrojo; porque não quis defender-me ante vós como quereis ouvir-me defender-me, nem implorar-vos chorando e gemendo, ou dizer ou fazer muitas outras coisas que tenho por indignas de mim, mas a que estais acostumados por outros. Mas eu, quando me defendia, ponderei em que não devia fazer nada de pouco viril por causa do perigo que corria, e não mudei de atitude desde então. Prefiro ter-me defendido com defendi e morrer, do que ter-me defendido como quereis e viver. Tanto num tribunal como numa guerra há coisas que nem a mim nem a qualquer outro é lícito fazer para escapar à morte. Na batalha um homem muitas vezes vê que pode pelo menos escapar à morte, abandonando as armas e ajoelhando aos pés do inimigo para pedir que lhe poupe a vida. E há muitas outras maneiras de escapar à morte em todos os perigos, para quem não tem escrúpulos que o impeçam de dizer ou fazer qualquer coisa.  Mas, meus amigos, creio ser coisa muito mais difícil fugir à maldade do que à morte, porque a maldade é mais rápida que a morte. Ora, eu que sou velho e tardo, fui apanhado pela perseguidora mais lenta, e os meus acusadores que são inteligentes e velozes, foram apanhados pela perseguidora mais rápida, que é a maldade. E agora irei daqui condenado à morte; e eles irão daqui condenados pela verdade a receber a pena da maldade e do mal. E estou por este prêmio assim como eles. Talvez fosse bom que isto assim se desse; e creio ter-se dado com justiça. 
             E agora quero vaticinar perante vós, atenienses, que me condenastes. Porque vou morrer, e essa é a hora em que os homens mais tem poder profético. E vaticino a vós, que me condenastes à morte, que um castigo muito mais severo do que o que me infligistes inevitavelmente cairá sobre vós que logo que eu estiver morto. Fizestes isto pensando que não tereis que dar conta das vossas vidas. Mas digo eu que o resultado será muito diferente. Haverá mais homens que vos pedirão contas, homens que retive e que vós não vistes. E eles ser-vos-ão mais duros do que eu tenho sido, porque serão mais novos, e encolerizar-vos-ei mais com eles. Porque se julgais evitar que os homens vos repreendam pela vossa má vida, condenando-os à morte, enganai-vos muito. Esse modo de fugir é quase impossível e não é bom. É muito melhor e muito mais fácil não fazer calar as censuras, mas tornar-vos o mais perfeitos possível. Esta é a profecia que faço ao despedir-me de vós que me condenastes. 
(Tendo repreendido severamente os que o condenaram, diz aos que o absolveram que estejam tranquilos. Nada de mau pode acontecer a um homem bom, quer na vida quer na morte. A morte ou é um sono eterno e sem sonhos onde nada se sente; ou uma viagem a um outro mundo melhor, onde estão os grandes homens da antiguidade. Em qualquer dos casos não é um mal, mas um bem)

                E vós também juízes, deveis fazer frente à morte corajosamente e ter isto por certo, que nada de mau pode acontecer a um homem bom, quer em vida quer depois da morte. A sua sorte não é descurada pelos deuses; e o que hoje me aconteceu não creio que tenha acontecido por acaso. Estou convencido de que era melhor para mim morrer agora e ficar liberto de todo o cuidado; e que foi essa a razão porque o signo nunca me mandou retroceder. De modo que não estou zangado com os meus acusadores ou com os que me condenaram à morte. Não foi porém com este pensamento que eles me acusaram e condenaram, mas querendo fazer-me mal. De modo que por isso posso censurá-los. Mas tenho um pedido a fazer-lhes. Quando meus filhos crescerem, castigai-os, meus amigos, importunai-os do mesmo modo que eu os importunei, se virdes que eles preferem a riqueza ou outra coisa qualquer à virtude; e se eles julgarem que são alguma coisa, quando não são nada, reprendei-os como vos tenho repreendido, por não cuidarem do que deviam e por se julgarem grandes homens quando de fato não tem valor nenhum. E se fizerdes isto, eu e meus filhos teremos recebido de vós o que merecemos. 
                Mas a hora chegou, e temos de nos ir; eu para a morte e vós para a vida. Se a vida ou a morte é melhor, sabe-o Deus, e só Deus. 
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Em vida, Sócrates nos legou sua enorme sabedoria; na morte nos deu o exemplo de coragem e resignação, mas sempre salientando que a sabedoria, a virtude e a dignidade sobrevivem à ganância, ao orgulho e aos preconceitos; e só elas - vida e sabedoria - são capazes de purificar e elevar a alma que é a razão pela qual estamos aqui. 
Chamo a atenção dos leitores para os comentários feitos por Platão, que aqui postei nos intervalos do julgamento.  Com este escrito, Platão conseguiu nos colocar dentro do tribunal, e assim tivemos a oportunidade de assistir o primeiro grande crime da democracia. 
Nicéas Romeo Zanchett


quarta-feira, 4 de outubro de 2017

A VIDA DE SÓCRATES


"...fez descer a filosofia das nuvens e obrigou-a a permanecer entre os homens, a penetrar-lhe domesticamente os lares e a conversar com eles suas normas de viver  e sobre a boa ou má conduta de existência"
Cicero
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                A vida de Sócrates transcorreu em tempos que foram os mais gloriosos mas também os mais difíceis para a cidade que lhe serviu de berço. Dez anos antes de seu nascimento, a Grécia saíra milagrosamente daquele turbilhão que ameaçara desmoronar-lhe e dissipar sua já notável civilização: as guerras persas. Embora Esparta conservasse ainda o prestígio de cidade militar, foi justamente neste período que Atenas se  apresentou ao  cenário nacional como cidade marinheira, aquela Atenas que, antes de então, sempre tinha sido uma cidade rica somente de gênio e ousadia. Era composta de um povo de mercadores e de guerreiros, de marinheiros e artistas inovadores ao extremo e governada pelo grande Péricles, segundo as leis de Sólon. 
                  Nasceu, Sócrates, no ano de 469 a.C, em Alopécia, às margens do Maratona. Seu pai, Sofrônico, era estatuário; a mãe, Fenarete, era parteira. Sócrates nasceu com uma irresistível e exclusiva propensão para a vida de pensador; nascido para observar, conhecer, para refletir, tendo por único objetivo ampliar o conhecimento de si mesmo, Sócrates aproveitou-se do movimento político e da fermentação citadina que Péricles fomentara em Atenas, mas dela participou como douto, quase isolado completamente dos acontecimentos que se verificavam sob seus olhos. Bem mais perto de seu espírito estavam as conversações dos sábios, que de todos os pontos da Grécia afluíam para Atenas. 
                  As primeiras memórias que de Sócrates nos restaram no-lo representam já maduro, tanto em anos como de realizações, quanto pela singularidade de seu modo de viver, quando já se tornara uma figura característica de Atenas. E não nos é difícil imaginá-lo como o viam seus contemporâneos e concidadãos; trajado tal qual um mendigo, quase sempre descalço, rodeado de uma multidão de discípulos, encantados pelo seu profundo verbo. 
                   Família, negócios, cargos públicos, eram coisas que não lhe interessavam. Ao sair da casa paterna, Sócrates, primeiro, desposara Mileta, uma filha de Aristides e, depois, em segundas núpcias, Xantipa. Suas condições econômicas deviam ser bem modestas. Entretanto, Sócrates vivia serenamente naquela miséria, aceitando-a completamente, contentando-se de um ou outro óbolo que lhe davam os discípulos, para recompensá-lo de seus ensinamentos. Quem, no entanto, não se contentava era Xantipa, muito modestamente tratada. De seu nome, a história nos transmitiu, talvez erradamente, não muito boa fama, até muito má, podemos dizer, pois seu nome se tornou símbolo e sinônimo de esposa intratável, briguenta e incompreensiva. 
                 Sócrates, todavia, não fugiu aos deveres impostos pela vida pública. Hoplita - que nos equivale a soldado de infantaria -, como todo cidadão ateniense apto às armas, Sócrates combateu valorosamente nas batalhas de Potideia e anfípole. 
              Os mais eminentes homens da cidade foram seus amigos e discípulos. Alcebíades e Crítias, Anaxágoras, Zenon, Protágoras e Platão seguiram-lhe a orientação. Tamanho era o poder que Sócrates exercia sobre estes, que nenhum de seus discípulos podia afastar-se dele sem sentir-lhe a falta. 
                 Sócrates, que tanto soube atrair a si o coração dos homens, foi um filósofo em tudo e por tudo singular. Não lhe interessavam muito os problemas da matéria ou das coisas, mas sondava o coração dos homens e procurava descobrir a razão por que eles agiam. Da sentença que se lia gravada no frontispício do templo de Apolo, em Delfos, "conhece-te a ti mesmo", Sócrates fez sua divisa e seu programa moral. Não se preocupou em escrever tudo quanto ia dizendo, todos os dias ; ou melhor, Sócrates não deixou uma só palavra escrita. Tudo quanto dele sabemos nos foi transmitido pelos seus discípulos. 
                 Sua sala de aulas não era a Academia, mas sim a rua, e sua vida era multiforme. Os assuntos de seus diálogos eram-lhe inspirados pelas ocasiões fortuitas, que, às vezes, se lhe apresentavam. 
                   Semelhante homem não poderia deixar de ter inimigos. Os filósofos odiavam-no e temiam-no ao mesmo tempo; o cômico Aristófanes reduziu-o a uma caricatura, em sua comédia "A nuvens".
                  Em abril de 399, sob o pórtico do Arconte Re, aquele dos nove Arcontes, a quem competia receber as acusações de crimes contra a religião, foi afixada esta acusação: "Acuso Sócrates como réu de irreligião, porque desconhece os deuses pátrios, e porque, em seus discursos, pratica a arte de desmontar o falso e o justo como verdadeiro e injusto, e essa arte vai injustamente ensinando aos moços." A acusação estava assinada por Miletos, Anitos e Lícon. 
                Na presença de 500 eleatas e de uma multidão de atenienses, Miletos sustentou sua acusação. Sócrates foi condenado à morte. Mas a sentença não podia ser imediatamente executada. Fazia pouco tempo que o navio sagrado, todo enfeitado de guirlandas, partira para Delos, em missão votiva; durante sua viagem, para obter dos deuses aspectos propícios, era proibido derramar sangue e executar sentenças de morte. A vida de Sócrates dependia da sorte do barco. E este regressou trinta dias depois. Os amigos, os discípulos, queriam salvá-lo da morte e prepararam-lhe uma fuga, mas Sócrates, coerente com seu conceito de dever, recusou segui-los. Que era para ele a liberdade física, diante da conquista da liberdade eterna? Que era para ele a morte, já que acreditava na sobrevivência da alma, aquela alma que ele costumava comparar a um manto que se conserva bem apertado de encontro ao corpo?
                  Certa noite, espalhou-se o boato de que o navio fora avistado por alguns romeiros, que o haviam deixado no promotório Súnio, o ponto extremo da Ática. 
            Naquela mesma manhã, Criton foi ao cárcere e, à tarde chegou o navio. Acorreram à cadeia todos os discípulos que se encontravam em Atenas. 
               Chegou o carcereiro, com a cicuta. Sócrates perguntou se podia dispor de alguma gota de veneno, para fazer uma libação aos Deuses, mas o carcereiro lhe respondeu que preparara a dose exata. Sócrates ingeriu a bebida mortal na maior serenidade. Em seu redor, pela última vez, sentaram-se os discípulos, e ainda uma vez, a última, Sócrates falou. O mestre exortou Fédon a não chorar. Sentindo que o tóxico já estava exercendo sua ação, Sócrates deitou-se no leito. Um pobre velho de 80 anos, que resistência poderia oferecer á morte? 
               Os ensinamentos de Sócrates foram consubstanciados para a história do pensamento humano, pelo seu discípulo Platão, o maior filósofo da antiguidade. 
               Antes de Sócrates, os filósofos procuravam conhecer phisis, ou a natureza das coisas exteriores. "Isto é bem, disse Sócrates, "existe, não obstante matéria infinitamente mais digna de meditação dos filósofos do que estas árvores e pedras e mesmo que todas aquelas estrelas; é o espírito do homem. Que é o homem e que poderá tornar-se?"
                  Entrou a sondar a alma humana, desvendando ideias preconcebidas e pondo em dúvida suas convicções. Se os homens se referiam à justiça, ele, calmo, peguntava: "Que é isso? Que significais com as palavras abstratas, por meio das quais explicais tão facilmente os problemas da vida e da morte? Que compreendeis por honra, virtude, moralidade, patriotismo? Que compreendeis por vós mesmos? " Era destas questões morais e filosóficas que Sócrates gostava de tratar. Alguns dos submetidos a este "método socrático", a estes pedidos de definições precisas e esclarecimentos das coisas e análise exata, redarguiam que ele mais perguntava do que respondia, deixando os espíritos ainda mais confusos do que antes.  Todavia, Sócrates legou à Filosofia duas respostas muito precisas a dois dos nossos mais difíceis problemas: - Qual o significado da virtude? e - Qual o melhor governo? 
                 Nenhum assunto poderia ter mais vital importância para os jovens atenienses daquela geração. Os sofistas lhe haviam destruído a primitiva fé nos deuses do Olimpo e no código moral. Um individualismo desintegrador enfraquecera o caráter ateniense, tornando por fim a cidade presa dos espartanos, severamente educados. Dominava a cidade um governo feito com discussões do povo, a leviana escolha, demissão e execução de generais, e a escolha, sem seleção, de lavradores e mercadores por meio da ordem alfabética. Como salvar aquela geração? Sócrates tinha sua própria fé religiosa; acreditava em Deus e esperava, com a humildade habitual, que a morte não o destruía totalmente. São de Sócrates estas palavras: Ateu é quem diz que existe um só Deus! Isto tudo contrariava os filósofos e os mandões da época. Por isso, Sócrates foi obrigado a tomar cicuta. 
Nicéas Romeo Zanchett 

A MORTE DE SÓCRATES

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                   Sócrates viveu entre 470 e 399 a.C. 
                  A 2.400 anos ele disse: "Eu sou a minha alma". "Ninguém pode matar Sócrates". Isto demonstra que ele já sabia que a alma é imortal. 
             Pelas ruas de Atenas, envolto num áspero manto, com pés descalços e cabeça descoberta, vagava Sócrates distribuindo sabedoria. Era um homem fisicamente feio, mas manso e dócil como um santo. Tinha a profissão de escultor que pouquíssimas vezes exerceu, pois preferia esculpir sábias palavras. 
            Pouco se preocupava com as dificuldades financeiras de sua família. Cuidava dos negócios alheios e esquecia os seus. Nas infrequente visitas que fazia à casa de sua mulher Xantipa, era recebido com tempestades de palavras ásperas que sabiamente ignorava. Sua maior ambição era ser benfeitor da humanidade.  Sua bondade era tão grande quanto sua sabedoria. Desejava ver a justiça social ser exercida em todo o mundo. Os políticos detestavam encontrá-lo para não terem de responder perguntas embaraçosas. Para sua esposa Xantipa era um preguiçoso, mas para os jovens atenienses era um deus. Estes adoravam ir ao seu encontro para escutá-lo, cheios de admiração. Para transmitir saber, ele costumava instigar o pensamento de seus interlocutores, sem no entanto, jamais responder diretamente suas perguntas. 
                 Sócrates sentia especial prazer em chamar a atenção para aqueles que pensavam uma coisa e diziam outras, e também aqueles que diziam ser sábios quando, na verdade, não passavam de tolos ignorantes. Costumava chamar a si mesmo de "moscardo" (morcão). Tinha a habilidade de estimular as pessoas a pensarem. Outro apelido que costumava dar a si mesmo era de "parteira intelectual", porque auxiliava as pessoas a dar nascimento às suas próprias ideias, incentivando o uso do próprio pensamento.  Com muita insistência afirmava que nada sabia; dizia:"Sou o homem mais sábio de Atenas porque sei que nada sei".
              Toda a essência do ensinamento de Sócrates pode ser resumido nas seguintes palavras: "Conhece-te a ti mesmo". Ele tentava sempre aprender com todos e neste processo, ensinava a seus mestres. Costumava dizer que o saber é uma virtude; que os homens cometem crimes porque são ignorantes, não conhecem outra coisa melhor.  
                 Diferentemente do filósofo Lao-tze, acreditava que o melhor remédio para o crime é a educação. O objetivo maior de sua vida era ensinar os outros. Infelizmente, dizia ele, nem todos queriam ser educados. 
               Um dia, ao chegar ao mercado para seu costumeiro debate filosófico, deparou-se com um aviso colocado na tribuna pública que dizia: "Sócrates é criminoso. É ateu  e corruptor da mocidade. A pena de seu crime é a morte". 
          Foi preso e julgado pelos políticos, cuja hipocrisia costumava denunciar nas praças públicas. Ao ser interpelado pelos juízes, recusou-se a defender-se dizendo que sua obrigação era sempre falar a verdade. Os juízes o consideraram culpado. Quando lhe perguntaram qual devia ser sua punição, ele sorriu sarcasticamente e disse: "Pelo que fiz po vós e por vossa cidade, mereço ser sustentado até o fim de minha vida à expensas públicas". Foi condenado à morte. 
          Durante trinta dias foi mantido numa cela funerária. Mesmo diante da morte permaneceu calmo e discutindo tranquilamente o significado da vida e o mistério da morte. 
                Criton, o mais ardente dos seus discípulos, entrou furtivamente na cela e disse ao mestre: -"Foge de pressa, Sócrates!"
                 - Fugir por que? perguntou-lhe. 
                 - Ora, não sabes que amanhã vão te matar? 
                 - Matar-me? A mim? Ninguém pode me matar! 
             - Sim, amanhã terás de beber a mortal taça de cicuta - insistiu Criton. Vamos, foge depressa para escapares à morte! 
                - Meu caro amigo Criton - respondeu-lhe que mau filósofo és tu! Pensar que um pouco de veneno possa dar cabo de mim...  Depois puxando com os dedos a pele da mão, Sócrates perguntou: - "Criton, achas que isto é Sócrates?  e batendo com o punho no osso do crânio, acrescentou: - achas que isto aqui é Sócrates?... - pois é isto que vão matar, este invólucro, mas não a mim. Eu sou a minha alma, ninguém pode matar Sócrates.
                E assim, o mais sábio homem de todos os tempos, foi obrigado acabar a vida como um criminoso. 
             Ao beber o veneno, quando já sentia que seus membros esfriavam, despediu-se de todos com as mesmas palavras com que se dirigira aos juízes que o haviam julgado: "E agora chegamos à encruzilhada dos caminhos, meus amigos, ides para vossas vidas; eu, para a minha morte. Qual seja o melhor desses caminhos só Deus sabe". 
                A morte de Sócrates foi o primeiro e o maior crime da democracia. 
             Quando os homensjulgam erradamente seu próximo, a história julgará os julgadores. 
                Foi assim. 
Nicéas Romeo Zanchett 

A GRÉCIA ANTIGA

            

    Antes de falarmos da vida de Sócrates e outros grandes filósofos gregos é interessante conhecer um pouco sobre a Grécia antiga. 
            A Grécia é uma península no Mediterrâneo situada ao sul da Europa. Muito antes do século IV a.C. a civilização grega se estendia não só aos arquipélagos do Mar Egeu e à Ásia Menor, mas também às costas setentrional da África e meridional da Itália, onde se estabeleceram importantes núcleos  de povoamento. 
            A relevo da península dividia a Grécia em pequenas regiões naturais, nas quais se formaram as cidades gregas. Cada uma delas tinha governo próprio e independente, constituindo-se em verdadeiros estados (século V a.C.) Por ser a Grécia cheia de colinas, as cidades foram erigidas em vários planos ligados por escadarias. As cidades que mais se destacaram foram Atenas, Esparta e Tebas. 
               Os espartanos dedicavam a vida à guerra  e por isso Esparta era conhecida como a terra dos homens de ferro. Todos os espartanos eram soldados treinados desde a infância. O casamento tinha como principal finalidade produzir soldados sadios. O recém-nascido que não passasse no exame físico era desclassificado e, por ordem do Estado, arremessado num precipício. Só os mais capazes tinham direito de sobreviver. Era muito comum que os maridos entregassem suas esposas para engravidar  de homens mais fortes com o objetivo de ter uma prole com maior capacidade física. 
                A lei proibia aos espartanos que negociassem ou possuíssem dinheiro. Reuniam-se em comunidades onde ricos e pobres viviam e comiam juntos. 
           Os atenienses eram uma raça de sábios e artistas. Na escola ao ar livre os alunos aprendiam a cantar e tocar instrumentos. Na Grécia Antiga a música tinha tanta importância quanto a aritmética. As crianças eram levadas à escola pelo escravo de confiança da família. Ele tinha a responsabilidade de levar também a lira, que era o instrumento musicam dos adolescentes gregos. É como se fosse a guitarra elétrica de um adolescente  moderno. 
                A roupa grega era feita em casa e o artesanato de tecelagem, embora caseiro, era bem especializado. Eram tecidos por mulheres em teares verticais, distribuídos num pátio da residência. 
              Certas tarefas eram consideradas impróprias para membros de famílias mais ricas. Por isso eram confiadas a escravos que se encarregavam da maior parte dos trabalhos braçais cansativos. 
               Num passeio pela cidade a escrava carregava a sombrinha que protegia sua ama. 
               A Ágora era uma grande praça no centro da cidade, onde se localizava o mercado que geralmente ficava próximo do templo. O templo não se destinava apenas a atividades religiosas, mas era também  um centro de reuniões sociais e políticas. Ali se realizavam importantes discussões públicas e comícios políticos. 
               Já naquele tempo haviam jovens rebeldes com seus carros esportes puxados por belos cavalos. Era uma espécie de carro de passeio, muito leve e rápido. 
              O senhor grego sustentava-se principalmente de azeitonas, vinho e cereais. O solo grego é mito favorável ao plantio de oliveira e, já na antiguidade, o azeite era um importante produto de exportação. 
              O homem grego costumava levantar-se ao nascer do sol e então mergulhava um pedaço de grão de trigo num copo de vinho e fazia uma oferta de curta prece às estátuas de Zeus, Deméter e Atena. Em seguida entrava casualmente na casa de um amigo onde comia uns pedacinhos de peixe. Dali, com sua bengala na mão, seguia para a Ágora (praça do mercado) onde passava o dia discutindo negócios e política com os amigos. 
               O cidadão nobre da Grécia não exercia nenhum trabalho manual como lavrar a terra e cuidar das oliveiras. Seus escravos se encarregavam disso. A mulher do cidadão educava as crianças,limpava os deuses caseiros, varria o pórtico de colunas e cuidava de sua aparência para estar bela quando seu marido voltasse à tarde. Os meninos e meninas de famílias nobres iam para o ginásio, onde jogavam em absoluta nudez, amoçavam pão, figos e vinho, e passavam a tarde tocando lira ou seguiam de carro em alegre excursão para o campo. Os rapazes tinham de prestar serviço militar  e as moças passavam suas tardes em aulas de costura. 
                Para os gregos o amor entre um homem e uma mulher ficava em segundo plano. Era considerado necessário para a procriação, mas o amor ideal era entre homens. Por essa razão o homossexualismo era natural. Era muito comum o amor entre o mestre e seu aluno favorito, filósofo e discípulo. Entretanto, foi essa a principal acusação que levou Sócrates a ser processado por "corromper" a juventude. 
               No mercado vendia-se os produtos da terra: trigo, cevada, lentilha, figos, nozes, mel, leite e queijo de ovelha e de cabra. As bancas de peixes eram muitas, mas as carnes vermelhas eram produtos escassos. O motivo é que o rebanho caprino e bovino era muito reduzido. Ir às compras era um privilégio dos homens. As mulheres ficavam em casa. 
               No casamento a tradição grega determinava que os pais do noivo recebessem os recém-casados à porta de sua casa com tochas acesas nas mãos. O casal e o padrinho chegavam de carro. Um cortejo de amigos acompanhava os esposos a pé. 
               Os gregos eram altamente religiosos, mas pelo fato de seus deuses possuírem fraquezas e vícios dos homens, sua religião era considerada pagã. Frequentemente celebravam festas em honra dessa ou daquela divindade. 
             A arquitetura grega sempre foi muito avançada. Através de encanamentos subterrâneos a água era trazida de nascentes distantes até a fonte pública. Buscar água na bica para o consumo diário era função feminina. As mulheres conduziam suas ânforas cheias de água sobre a cabeça que era protegida por uma almofada.  
            A cerâmica também era uma atividade essencial na vida grega. Além dos vasos de formas variadas - geralmente muito bonitos - os oleiros produziam ainda brinquedos: bonecas articuladas, carrinhos com rodas móveis, sondadinhos a cavalo e marcaras grotescas. Para maior facilidade de acesso à água, as olarias ficavam junto à fonte. 
               O forjador de bronze era um artesão muito solicitado. Como a têmpera de metais exige muita água, sua oficina se situava junto à fonte. 
                Embora cada cidadão tivesse seus próprios hábitos, havia muita semelhança na vida dos gregos. Foi a cultura grega que nos permitiu conhecer, com certa profundidade, sua forma de vida e seus hábitos que ficaram registrados tanto nas suas belas esculturas, como nos seus produtos preservados. Os historiadores da época anotaram muita coisa interessante e a pesquisa histórica moderna dez o resto 
Nicéas Romeo Zanchett